O jornalista que narrou para a Rádio Continental, em tempo real, a ruptura da barragem do açude Orós, no Ceará, protagonizou, ainda, uma das mais importantes cenas da televisão brasileira. Apesar de já grande antes disso, Saulo Gomes ganhou os holofotes do País quando recebeu, no lendário Pinga-Fogo, na extinta TV Tupi, o mais famoso médium espírita do Brasil, Chico Xavier. A façanha de entrevistar o personagem que mexeu com as cabeças e as vidas foi tão árdua quanto a de conseguir a permissão de Chico Xavier para a entrevista.
Hoje autor de grandes livros-reportagens, Saulo acredita que a Internet e as redes sociais tiram o gosto do repórter pela apuração. "Eu só acredito no repórter que sente o cheiro de onde está a notícia".
O POVO - O senhor já era jornalista de destaque em 1968. Ganhou notoriedade nacional ao entrevistar o Chico Xavier, no lendário programa Pinga-Fogo, da extinta TV Tupi. Para começar a entrevista, gostaria de saber se o senhor segue alguma religião.
Saulo Gomes - Não. Eu não tenho. Nesses anos todos de vida, eu nunca me dediquei ao estudo (religioso). Pelo tumulto da minha vida no passado, por uma série de problemas na minha juventude. E quando entrei no jornalismo, também era uma vida muita atribulada, muito preocupada em fazer notícia. Então, eu sempre fui um repórter muito trepidante, de muitas atividades. Nunca peguei um livro de temas religiosos. Acho que, se alguém disser que vai adotar essa ou aquela religião, ele tem que estudar, se aprofundar, conhecer a filosofia daquilo que ele está se propondo a aceitar. Mas, de tudo que eu conheci, eu me aproximo muito mais do espiritismo. Em verdade, eu conheço as teses. Tive muitas e muitas lições de Chico Xavier. E todas elas me convenceram de que o espiritismo, nesse grupo todo de religiosos que aí estão, é o que mais se aproxima de uma realidade que cada vez mais nós vivemos na humanidade.
OP - O que fez o senhor se aproximar do espiritismo?
Saulo - No decorrer da minha vida profissional - estou com 55 anos no jornalismo - entrevistei grandes lideranças religiosas. Grandes líderes espirituais de todos os pensamentos religiosos do País. Tive, inclusive, acesso a alguns líderes de entidades religiosas do extremo oriente. E nessas minhas andanças por todos os setores, cheguei ao Chico Xavier. Foi um grande desafio conseguir entrevistar o Chico.
OP - Isso porque o Chico tinha tido problemas em aceitar dar entrevista. Como o senhor conseguiu convencê-lo?
Saulo - Foi um desafio. Porque foi a primeira grande (entrevista para a televisão). A primeira grande entrevista com Chico Xavier, aos 25 anos de idade, (foi antes) na terra dele, em Pedro Leopoldo (Minas Gerais). Ela foi realizada numa sucessão de reportagens, que durou dois meses, feito por um grande repórter do Rio de Janeiro, chamado Clementino Alencar. E todo trabalho publicado pelo jornal O Globo, naquele ano, foi publicado pelo jornal O POVO, em Fortaleza. A primeira grande reportagem você vai encontrar nas páginas do jornal no dia 1º de julho de 1935. E só em 1944, ele teve uma grande reportagem envolvendo o trabalho dele. Uma série realizada pela dupla David Nasser e Jean Manzon, na revista O Cruzeiro. Só que essa reportagem, também realizada lá na cidade natal de Chico, em Pedro Leopoldo, resultou num grande escândalo. O Chico foi ridicularizado, através de fotografias em poses e situações um pouco inconvenientes.
OP - O Brasil é o maior País católico do mundo. Em 1968, ano cheio de amarras morais, o País parou para ver o Chico Xavier. Qual foi a repercussão disso no mundo católico?
Saulo - Três anos depois, ela se manifestou de forma até muito veemente. Porque, depois dessa entrevista com Chico Xavier, houve protestos de algumas igrejas, de padres, bispos, professores. Alguns lideranças civis ligadas à igreja. O maior exemplo foi a nota oficial assinada pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) do Rio de Janeiro, presidida pelo Dom Ivo Lorscheider. E eles assinaram uma nota de protesto contra nós, contra o programa, contra a TV Tupi, contra o Pinga-Fogo, dizendo que aquela minha reportagem do Chico Xavier representava, inclusive, uma deseducação ao povo. Está escrito textualmente essas palavras: uma deseducação do povo. E, como é natural, esses comentários por ordem da Cúria Metropolitana ou do comando maior da igreja foram manifestados pelos padres em várias igrejas do Brasil inteiro, na hora do sermão, na hora do seu ritual religioso e para mim, como repórter que trouxe Chico Xavier para TV Tupi. Eles (CNBB) exigiram que os diários e as emissoras associadas publicassem a nota oficial. Fui chamado pela emissora e eu li a nota de protesto. Esse é um registro interessante, é a primeira vez que estou falando. Esse detalhe eu vou contar no meu próximo livro (Nosso Chico).
OP - O senhor conviveu com Chico Xavier por mais de 30 anos, depois desse episódio da entrevista. Construíram uma amizade profunda?
Saulo - Eu tenho dito nas minhas palestras, nós nos tornamos amigos e confidentes.
OP - Ainda assim o senhor não se tornou espírita. Qual a razão? Como era ser amigo do Chico e não acreditar no espiritismo?
Saulo - Por um detalhe, o Chico ensinou que adotar a doutrina é adotar o amor ao próximo, é seguir as grandes lições de solidariedade com as pessoas necessitadas, de ajudar os desvalidos. Tudo isso eu faço, sem, entretanto, pegar num manual, um livro próximo, o Livro dos Espíritos, que seria a "bíblia" dos espíritas, as obras de Alan Kardec, codificador do espiritismo. Teria de ler, me aprofundar. E eu não tive a oportunidade, não tive o desejo de assim me manifestar. Eu sigo os ensinamentos, que estão dentro da doutrina, a mim ministrados pelo Chico Xavier, fazendo o que faço, divulgando o seu trabalho e a sua obra, hoje nos livros.
OP - O senhor não chegou a questionar as potencialidades do médium?
Saulo - Não, porque não era a minha competência. Eu, como repórter, trouxe uma grande notícia para o grande público. Eu fiz isso, que você está sugerindo, através das pessoas convidadas pelo programa. Coube a mim, também, reunir o grupo para entrevistar Chico Xavier. Nós trouxemos, para as entrevistas, dois espíritas. Os demais eram dois colegas que se diziam indiferentes, céticos; nós tivemos dois jornalistas ateus; nós tivemos o líder católico, João de Scantimburgo; nós tivemos Manuel de Melo, um líder evangélico; e eu ainda trouxe, também, o líder dos israelitas em São Paulo. Na gravação, estou levando o microfone para o líder dos judeus no Brasil, na plateia, fazer perguntas para o Chico Xavier. Então, eu encontrei uma forma de questionar o Chico Xavier e seu trabalho através de pessoas idôneas, que eu fui ouvir, de intelectuais, cientistas, líderes de outras religiões. Porque eu não parei ali no programa, eu tive uma sucessão de outras entrevistas. Eu, Saulo Gomes, pessoalmente, não me senti no direito de, como repórter, ir pro ar para discutir ou questionar Chico Xavier. Mas trouxe pessoas que o fizeram.
OP - Voltando no tempo. Eu li que o senhor começou a trabalhar bem cedo, num parque de diversões e circo, atuando com pirofagia. De que forma esse trabalho lhe ajudou nesse desenrolar no trabalho como jornalista?
Saulo - Eu fui caixeiro viajante. Como o que eu ganhava não era o suficiente para o que eu precisava... Então, um dia apareceu um amigo, que me levou para o circo e onde botou o microfone na minha mão e eu comecei a usar o microfone pela primeira vez. Anunciar o espetáculo da noite, ia pro picadeiro. Então, eu tomei gosto pelo microfone. E desses 11 anos que eu fui viajante comercial, dentro dessa atividade, seis anos eu trabalhei no circo. E acabei me descobrindo, através de profissionais que me estimularam, e parti para pirofagia. E tornei-me no Brasil, modéstia a parte, aquela época, no meio dos circos e parque, muito respeitado como homem que engolia fogo.
OP - O senhor ainda consegue engolir fogo?
Saulo - Ah, não sei, não faço mais (risos). Resultado: esse trabalho, que foi até o ano de 1955, me deu muita confiança para lidar com o microfone para entrar num concurso, numa rádio famosa do Rio de Janeiro, que só fazia jornalismo e esporte, chamada Rádio Continental. Eu fui para essa rádio, em 1955, querendo admitir apenas um repórter. E entrei. Eu entrei num concurso, onde mais ou menos 200 moços o fizeram. É tão difícil e eu fui o único aprovado. Então, um mês depois, no de 14 de janeiro de 1956, eu peguei o microfone pela primeira vez e comecei a transmitir. O que eu faço até hoje. Tornei-me repórter dessa forma. O circo e o parque de diversões me ajudaram, de alguma forma, a ser repórter.
OP - Até agora, quatro livros foram lançados com a sua assinatura. O senhor considera os livros como uma grande reportagem?
Saulo - Exatamente.
OP - Existe uma semelhança entre o ato de escrever livros e realizar grandes reportagens?
Saulo - Em certos termos, sim. Porque, em verdade, o que eu estou fazendo nos meus livros, com as minhas próprias reportagens, é a grande reportagem da minha vida profissional. A minha idade é muito avançada, estou com 83 anos, 55 anos só de jornalismo. Não posso pensar que vou viver muito ainda. Mas, se houver tempo, eu gostaria de lançar a história, que só eu disponho verdadeira sobre o que foi o esquadrão da morte de São Paulo e do Rio de Janeiro, o caso PC Farias, o caso maníaco do parque. Esses assuntos todos eu os tenho guardados em arquivo para transformar em livro. A minha ideia é a cada seis meses ter um livro.
OP - O senhor é um jornalista que foi mais de 100 vezes processado pela Justiça, absolvido em todas as ocasiões, respondeu a 13 inquéritos policiais, dos quais foi liberado pela Anistia em todas as ocasiões. O senhor acredita que os processos imprescindíveis no trabalho de um bom jornalista?
Saulo - São. Fui o primeiro jornalista cassado no Brasil. Eu fui cassado pelo Castelo Branco, presidente militar cearense. Ao contrário do que muitos colegas dizem, eu acho que tudo isso foi prêmio ao meu trabalho, a coragem, a honestidade. A forma como se realizou um jornalismo autêntico, vibrante, digno. Sem mentiras, sem enxovalhar pessoas, fossem elas ricas ou pobres. Nunca enxovalhei ninguém. Fui muito firme nas minhas denúncias. E todas as denúncias que fiz sobre grandes casos policiais e políticos, eu os provei. Por isso, eu fui processado 106 vezes e fui 106 vezes absolvido.
OP - Qual a responsabilidade de protagonizar um momento histórico, transmitido ao vivo no dia 2 de maio de 1980, quando o senhor anunciou, que a central da extinta TV Tupi deixava, naquele instante, de gerar suas imagens?
Hoje autor de grandes livros-reportagens, Saulo acredita que a Internet e as redes sociais tiram o gosto do repórter pela apuração. "Eu só acredito no repórter que sente o cheiro de onde está a notícia".
O POVO - O senhor já era jornalista de destaque em 1968. Ganhou notoriedade nacional ao entrevistar o Chico Xavier, no lendário programa Pinga-Fogo, da extinta TV Tupi. Para começar a entrevista, gostaria de saber se o senhor segue alguma religião.
Saulo Gomes - Não. Eu não tenho. Nesses anos todos de vida, eu nunca me dediquei ao estudo (religioso). Pelo tumulto da minha vida no passado, por uma série de problemas na minha juventude. E quando entrei no jornalismo, também era uma vida muita atribulada, muito preocupada em fazer notícia. Então, eu sempre fui um repórter muito trepidante, de muitas atividades. Nunca peguei um livro de temas religiosos. Acho que, se alguém disser que vai adotar essa ou aquela religião, ele tem que estudar, se aprofundar, conhecer a filosofia daquilo que ele está se propondo a aceitar. Mas, de tudo que eu conheci, eu me aproximo muito mais do espiritismo. Em verdade, eu conheço as teses. Tive muitas e muitas lições de Chico Xavier. E todas elas me convenceram de que o espiritismo, nesse grupo todo de religiosos que aí estão, é o que mais se aproxima de uma realidade que cada vez mais nós vivemos na humanidade.
OP - O que fez o senhor se aproximar do espiritismo?
Saulo - No decorrer da minha vida profissional - estou com 55 anos no jornalismo - entrevistei grandes lideranças religiosas. Grandes líderes espirituais de todos os pensamentos religiosos do País. Tive, inclusive, acesso a alguns líderes de entidades religiosas do extremo oriente. E nessas minhas andanças por todos os setores, cheguei ao Chico Xavier. Foi um grande desafio conseguir entrevistar o Chico.
OP - Isso porque o Chico tinha tido problemas em aceitar dar entrevista. Como o senhor conseguiu convencê-lo?
Saulo - Foi um desafio. Porque foi a primeira grande (entrevista para a televisão). A primeira grande entrevista com Chico Xavier, aos 25 anos de idade, (foi antes) na terra dele, em Pedro Leopoldo (Minas Gerais). Ela foi realizada numa sucessão de reportagens, que durou dois meses, feito por um grande repórter do Rio de Janeiro, chamado Clementino Alencar. E todo trabalho publicado pelo jornal O Globo, naquele ano, foi publicado pelo jornal O POVO, em Fortaleza. A primeira grande reportagem você vai encontrar nas páginas do jornal no dia 1º de julho de 1935. E só em 1944, ele teve uma grande reportagem envolvendo o trabalho dele. Uma série realizada pela dupla David Nasser e Jean Manzon, na revista O Cruzeiro. Só que essa reportagem, também realizada lá na cidade natal de Chico, em Pedro Leopoldo, resultou num grande escândalo. O Chico foi ridicularizado, através de fotografias em poses e situações um pouco inconvenientes.
OP - O Brasil é o maior País católico do mundo. Em 1968, ano cheio de amarras morais, o País parou para ver o Chico Xavier. Qual foi a repercussão disso no mundo católico?
Saulo - Três anos depois, ela se manifestou de forma até muito veemente. Porque, depois dessa entrevista com Chico Xavier, houve protestos de algumas igrejas, de padres, bispos, professores. Alguns lideranças civis ligadas à igreja. O maior exemplo foi a nota oficial assinada pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) do Rio de Janeiro, presidida pelo Dom Ivo Lorscheider. E eles assinaram uma nota de protesto contra nós, contra o programa, contra a TV Tupi, contra o Pinga-Fogo, dizendo que aquela minha reportagem do Chico Xavier representava, inclusive, uma deseducação ao povo. Está escrito textualmente essas palavras: uma deseducação do povo. E, como é natural, esses comentários por ordem da Cúria Metropolitana ou do comando maior da igreja foram manifestados pelos padres em várias igrejas do Brasil inteiro, na hora do sermão, na hora do seu ritual religioso e para mim, como repórter que trouxe Chico Xavier para TV Tupi. Eles (CNBB) exigiram que os diários e as emissoras associadas publicassem a nota oficial. Fui chamado pela emissora e eu li a nota de protesto. Esse é um registro interessante, é a primeira vez que estou falando. Esse detalhe eu vou contar no meu próximo livro (Nosso Chico).
OP - O senhor conviveu com Chico Xavier por mais de 30 anos, depois desse episódio da entrevista. Construíram uma amizade profunda?
Saulo - Eu tenho dito nas minhas palestras, nós nos tornamos amigos e confidentes.
OP - Ainda assim o senhor não se tornou espírita. Qual a razão? Como era ser amigo do Chico e não acreditar no espiritismo?
Saulo - Por um detalhe, o Chico ensinou que adotar a doutrina é adotar o amor ao próximo, é seguir as grandes lições de solidariedade com as pessoas necessitadas, de ajudar os desvalidos. Tudo isso eu faço, sem, entretanto, pegar num manual, um livro próximo, o Livro dos Espíritos, que seria a "bíblia" dos espíritas, as obras de Alan Kardec, codificador do espiritismo. Teria de ler, me aprofundar. E eu não tive a oportunidade, não tive o desejo de assim me manifestar. Eu sigo os ensinamentos, que estão dentro da doutrina, a mim ministrados pelo Chico Xavier, fazendo o que faço, divulgando o seu trabalho e a sua obra, hoje nos livros.
OP - O senhor não chegou a questionar as potencialidades do médium?
Saulo - Não, porque não era a minha competência. Eu, como repórter, trouxe uma grande notícia para o grande público. Eu fiz isso, que você está sugerindo, através das pessoas convidadas pelo programa. Coube a mim, também, reunir o grupo para entrevistar Chico Xavier. Nós trouxemos, para as entrevistas, dois espíritas. Os demais eram dois colegas que se diziam indiferentes, céticos; nós tivemos dois jornalistas ateus; nós tivemos o líder católico, João de Scantimburgo; nós tivemos Manuel de Melo, um líder evangélico; e eu ainda trouxe, também, o líder dos israelitas em São Paulo. Na gravação, estou levando o microfone para o líder dos judeus no Brasil, na plateia, fazer perguntas para o Chico Xavier. Então, eu encontrei uma forma de questionar o Chico Xavier e seu trabalho através de pessoas idôneas, que eu fui ouvir, de intelectuais, cientistas, líderes de outras religiões. Porque eu não parei ali no programa, eu tive uma sucessão de outras entrevistas. Eu, Saulo Gomes, pessoalmente, não me senti no direito de, como repórter, ir pro ar para discutir ou questionar Chico Xavier. Mas trouxe pessoas que o fizeram.
OP - Voltando no tempo. Eu li que o senhor começou a trabalhar bem cedo, num parque de diversões e circo, atuando com pirofagia. De que forma esse trabalho lhe ajudou nesse desenrolar no trabalho como jornalista?
Saulo - Eu fui caixeiro viajante. Como o que eu ganhava não era o suficiente para o que eu precisava... Então, um dia apareceu um amigo, que me levou para o circo e onde botou o microfone na minha mão e eu comecei a usar o microfone pela primeira vez. Anunciar o espetáculo da noite, ia pro picadeiro. Então, eu tomei gosto pelo microfone. E desses 11 anos que eu fui viajante comercial, dentro dessa atividade, seis anos eu trabalhei no circo. E acabei me descobrindo, através de profissionais que me estimularam, e parti para pirofagia. E tornei-me no Brasil, modéstia a parte, aquela época, no meio dos circos e parque, muito respeitado como homem que engolia fogo.
OP - O senhor ainda consegue engolir fogo?
Saulo - Ah, não sei, não faço mais (risos). Resultado: esse trabalho, que foi até o ano de 1955, me deu muita confiança para lidar com o microfone para entrar num concurso, numa rádio famosa do Rio de Janeiro, que só fazia jornalismo e esporte, chamada Rádio Continental. Eu fui para essa rádio, em 1955, querendo admitir apenas um repórter. E entrei. Eu entrei num concurso, onde mais ou menos 200 moços o fizeram. É tão difícil e eu fui o único aprovado. Então, um mês depois, no de 14 de janeiro de 1956, eu peguei o microfone pela primeira vez e comecei a transmitir. O que eu faço até hoje. Tornei-me repórter dessa forma. O circo e o parque de diversões me ajudaram, de alguma forma, a ser repórter.
OP - Até agora, quatro livros foram lançados com a sua assinatura. O senhor considera os livros como uma grande reportagem?
Saulo - Exatamente.
OP - Existe uma semelhança entre o ato de escrever livros e realizar grandes reportagens?
Saulo - Em certos termos, sim. Porque, em verdade, o que eu estou fazendo nos meus livros, com as minhas próprias reportagens, é a grande reportagem da minha vida profissional. A minha idade é muito avançada, estou com 83 anos, 55 anos só de jornalismo. Não posso pensar que vou viver muito ainda. Mas, se houver tempo, eu gostaria de lançar a história, que só eu disponho verdadeira sobre o que foi o esquadrão da morte de São Paulo e do Rio de Janeiro, o caso PC Farias, o caso maníaco do parque. Esses assuntos todos eu os tenho guardados em arquivo para transformar em livro. A minha ideia é a cada seis meses ter um livro.
OP - O senhor é um jornalista que foi mais de 100 vezes processado pela Justiça, absolvido em todas as ocasiões, respondeu a 13 inquéritos policiais, dos quais foi liberado pela Anistia em todas as ocasiões. O senhor acredita que os processos imprescindíveis no trabalho de um bom jornalista?
Saulo - São. Fui o primeiro jornalista cassado no Brasil. Eu fui cassado pelo Castelo Branco, presidente militar cearense. Ao contrário do que muitos colegas dizem, eu acho que tudo isso foi prêmio ao meu trabalho, a coragem, a honestidade. A forma como se realizou um jornalismo autêntico, vibrante, digno. Sem mentiras, sem enxovalhar pessoas, fossem elas ricas ou pobres. Nunca enxovalhei ninguém. Fui muito firme nas minhas denúncias. E todas as denúncias que fiz sobre grandes casos policiais e políticos, eu os provei. Por isso, eu fui processado 106 vezes e fui 106 vezes absolvido.
OP - Qual a responsabilidade de protagonizar um momento histórico, transmitido ao vivo no dia 2 de maio de 1980, quando o senhor anunciou, que a central da extinta TV Tupi deixava, naquele instante, de gerar suas imagens?
Saulo - Representou um dos momentos de maior tristeza e maior frustração para um profissional. Ter vivido os momentos de glória que eu vivi dentro no jornalismo brasileiro, nos Diários e Emissoras Associadas. Lá, em 1961, como repórter da equipe do David Nasser, num programa chamado As Grandes Reportagens, da TV Tupi do Rio. Pelas grandes reportagens que eu desenvolvi, como essa que fiz referência e, principalmente, a matéria de Chico Xavier. Realmente, foi um choque muito grande. Eu fiquei muito revoltado, cheguei às lágrimas. Naquele momento que recebi a ordem, por volta das quatro horas da tarde pelo ponto eletrônico de um diretor de um programa popular chamado Isto é São Paulo. E o colega que dirigia o programa, já falecido, chamava-se Fernando D%u2019Ávila. Então, ele deu ordem de que eu tirasse a emissora do ar, mas que não fizesse nenhum comentário. Então, dolorosamente, só sabia que eu estava tirando do ar a maior emissora do País. Muito triste. Um dos piores momentos da minha vida profissional.
OP - No rádio, o senhor também marcou presença em acontecimentos importantes, como o transbordamento do açude Orós, no Ceará em 1960. Que detalhes o senhor lembra desse fato?
Saulo - Eu trabalhava no Rio de Janeiro, na Rádio Continental. Então, ele estava destacando dois cinegrafistas para vir filmar o Orós que, em 60, no governo Juscelino (Kubitschek), já estava parcialmente arrombado e sendo levado pelas águas do Jaguaribe. Conseguimos a autorização do Ministério da Aeronáutica. Naquela época não existia Ministério das Comunicações e, sim, Serviço Nacional de Rádio, conseguimos a autorização para usar uma frequência. De dentro do pequeno avião, que ficou baseado no Icó até Aracati... Todas as cidades que estão nesse percurso entre Óros e Aracati, me lembro nitidamente, estavam inundadas. De forma muito precária, eu transmitia de dentro do transmissor do avião, as informações assim: "Nesse momento, eu estou vendo..." Eu descrevia o detalhe de uma igreja, de um hotel, o nome de uma placa de um posto de gasolina, enfim, pela rasante que a gente tirava sobre a cidade. E eu assinalava aglomerados de pessoas desesperadas com fome, sede, querendo remédios e comida, fazendo sinal pro nosso avião. A minha transmissão era captada pela rádio do Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), instalada ali embaixo, no Icó. O som da rádio era mandado aqui para os estúdios da rádio Dragão do Mar e, daqui de Fortaleza, o som, em onda curta, ia para a minha emissora no Rio de Janeiro. E com isso, durante vários dias, eu transmiti o drama do Orós. Ajudei a Aeronáutica com informações de que lugares e onde existia gente ilhada esperando socorro, remédios, mantimentos etc. Em consequência disso, quando o Orós estourou, houve muita exploração política. O presidente Juscelino Kubstichek prometeu que inauguraria o Orós dentro de seu governo. No dia 5 de janeiro de 1961, eu tenho isso tudo memorizado, Juscelino veio inaugurar o Óros. Esse meu trabalho do Orós me deu muitos prêmios, os maiores prêmios de reportagem daquele ano.
OP - O senhor declarou que os grandes jornais têm mutilado o trabalho dos repórteres. O senhor já se sentiu mutilado?
Saulo - Quando tentaram mutilar, eu abandonei o jornalismo (silêncio). Tem dez anos isso. Nunca mais voltei. Então, como eu estou provando a importância do bom jornalista? Pegando esse meu trabalho, que não tinha lugar na televisão de hoje, e transformando em livro. Por isso, estão aqui (nos livros) As mães de Chico Xavier, estava lá o Pinga-Fogo, o Quem matou Che Guevara e O último voo.
OP - O seu trabalho sempre foi de repórter investigativo. O senhor acredita que a forma de fazer jornalismo mudou com as novas tecnologias? A Internet e redes sociais facilitam ou dificultam o trabalho?
Saulo - Elas facilitam, porque consegue um maior volume e maior rapidez de informações. Mas, lamentavelmente, fez com que os repórteres investigativos começassem a desaparecer. E o repórter, de um modo geral, se acomodasse atrás de um celular ou de um computador. Pela Internet, achar que vai fazer as grandes reportagens. Jamais farão. Então, costumo usar uma frase chula, mas que eu acho que retrata bem e eu fui isso. Eu só acredito no repórter que sente o cheiro de onde está a notícia.
Perfil
Saulo Gomes nasceu em 2 de maio de 1928, no RJ. Iniciou sua atividade jornalística em 1956, quando foi o primeiro colocado em um concurso para repórter da Rádio Continental. Aos 83 anos é um dos mais experientes repórteres ativos no jornalismo investigativo. Em 55 anos de trabalho no rádio e na TV, acumulou dezenas de prêmios e centenas de processos na Justiça, sendo absolvido em todas as ações. Ele conduziu reportagens e documentários que tiveram grandes índices de audiência, como o Pinga-Fogo com Chico Xavier. Coube a ele a responsabilidade de protagonizar um momento histórico, transmitido ao vivo, em 2 de maio de 1980, quando anunciou, às 16h21min que a central paulista da extinta TV Tupi deixava, naquele instante, de gerar suas imagens.
NÚMEROS
83 ANOS
É a idade de Saulo Gomes, 55 deles dedicados ao jornalismo.
4 LIVROS
Já foram lançados por Saulo Gomes, desde 1996.
PERGUNTA DO LEITOR
Jânio Alcântara, 45 anos, um dos coordenadores do Grupo Espírita Paz e Bem
Se o senhor pudesse, quem ainda gostaria de entrevistar em um Pinga-Fogo de hoje?
Saulo - Alguns homens públicos que estão aí, não falando as verdades que o povo precisa. Mas como é um sonho, é uma hipótese, não adianta avançar mais nisso.
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